Reflexões para revitalização arquitetônica em Campo Grande, MS – Parte 1

campo grande 2Vista aérea de cidade de Campo Grande, MS

Ângelo Marcos Arruda*

03/10/2017

 Jornal ‘O Estado’

Ângelo Marcos ArrudaNasci em Penedo, cidade histórica brasileira, em Alagoas, às margens do Rio São Francisco. Cresci ali, cercado de igrejas barrocas dos séculos 17 e 18. Logo a família se muda para Caruaru, no agreste pernambucano, e tive contato com a arte popular e a tradição, e assisti a elas dominarem o cenário da cidade com o barro de Vitalino em seus lindos bonecos. Época de vestibular, de estudar na capital. Em Recife entrei no curso de arquitetura e urbanismo da UFPE e, andando pelas ladeiras de Olinda, assistindo a peças de teatro, espetáculos de dança contemporânea e de música regional, me identifiquei com tudo aquilo.

Como nordestino que sou, adoro a cultura, os valores históricos, a memória do povo. Mudei-me para Campo Grande em 1980 e carreguei esses sinais da presença histórica e, desde que decidi adotar Campo Grande como minha cidade, luto pela preservação do seu patrimônio arquitetônico.

Em 1981, com vários arquitetos da cidade, fundamos um grupo de estudos, o Arco (Arquitetura do Centro-Oeste), muito pretensioso por sinal e, de máquina fotográfica em mãos, saímos pela cidade registrando diversos prédios importantes para que pudéssemos trabalhar a preservação deles. Ao lado do saudoso arquiteto Eudes Costa, depois de mais uma rodada de registros fotográficos, defendemos a arquitetura local em palestra na Semana do Meio Ambiente.

Naquele mesmo ano, na 1ª Mostra de Arquitetura do IAB-MS, eu e o também saudoso arquiteto Jurandir Nogueira elaboramos propostas do uso correto das calçadas da Afonso Pena, até hoje proibitivas para deficientes físicos e demais cidadãos com dificuldades locomotoras. O tempo passou e fui ensinar arquitetura no antigo Cesup, atual Uniderp e, de novo, me deparo com a necessidade de investigar, agora cientificamente, a arquitetura de Campo Grande.

Foi ali, com mais dois colegas –Gogliardo Maragno e Mário Sérgio Sobral– que, de modo pioneiro, concluímos uma pesquisa que marcou época. No ano do centenário de Campo Grande, 1999, na velha estação da Noroeste do Brasil, na Calógeras, lançamos um livro que investiu na memória arquitetônica da cidade de ontem e de hoje e, assim, pude ver a força da arquitetura para a cidade. Naquela estação repleta de gente em busca de dados sobre nosso passado, embaixo daquele telhado e ao lado daqueles trilhos históricos, decidi com mais outras pessoas fundar uma associação para defender a memória da Estrada de Ferro da NOB. Em 2000 nasceu a organização Ferroviva, instalada numa daquelas maravilhosas casas ferroviárias com a presença de amigos, simpatizantes, ferroviários. A Ferroviva teve uma curta vida e confesso que perdi muito da vontade de lutar desde a noite em que os trilhos foram arrancados pelo ex-prefeito André Puccinelli.

Aquela cena cortou meu coração e grande parte da minha garra, pois nós acreditávamos que era possível dar novos usos aos velhos trilhos. A retirada e o corte nos cruzamentos foi um dos mais dolorosos momentos de minha vida de defensor da memória e da cultura de Campo Grande. Fiquei ainda mais triste quando não vi a cidade se levantar para defender aquilo que ajudou a lhe dar o título de capital. Mas a vida nos ensina coisas diferentes a cada momento e, como ela dá voltas, numa dessas surgiu uma chance de passar a história e a memória para a vanguarda.

Refiro-me à oportunidade que tive de atuar em dois projetos de recuperação de edifícios que marcaram a nossa cidade: o antigo Fórum de Campo Grande e a casa do chefe da Estrada de Ferro da NOB, com imensos significados para nossa história e cultura. Trabalhar como arquiteto em projetos de restauro e revitalização não é um mercado fácil nem tradicional aqui. Os desafios, portanto, se apresentavam de imediato: como levar adiante um projeto de preservação quando, recentemente, a cidade não defendeu os trilhos de imensa memória coletiva? Retomamos semana que vem.

*Arquiteto e urbanista, é professor da UFMS.

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